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A Inflação está de volta! Mas será temporária?

Data
22 de Dezembro, 2021

A subida dos preços tem permanecido sob controlo nas últimas quatro décadas. Hoje quase ninguém associa a inflação a uma realidade problemática. Mas em 2021 a inflação está de volta. E tudo indica que será maior do que o esperado tanto em escala quanto em duração. Na União Europeia a inflação alcançou os 4,9% e nos Estados Unidos 6,8%; a subida mais rápida desde 1982.O governo dos Estados Unidos afirmou que a inflação é transitória e que rapidamente desacelerará. Também salientou que o preço do gás, entre outros, já está em queda; realidade ainda não refletida nas estatísticas. Mas Steve Hanke, Professor de Economia Aplicada na Johns Hopkins University, e um dos especialistas mundiais em hiperinflação, discorda veemente: “A Casa Branca, a Reserva Federal e a comunicação social estão errados. Apontam causas ad hoc para a inflação: dificuldades na cadeia de abastecimento, preços dos combustíveis, etc. China, Suíça e Japão têm estes desafios na cadeia de abastecimento e as taxas de inflação estão abaixo dos 2%. A única causa para a inflação é o crescimento excessivo da massa monetária; demasiado dinheiro. A Teoria Quantitativa da Moeda de Milton Friedman é bastante fiável”.Até agora os bancos centrais têm considerado a inflação um fenómeno de curto prazo e os desafios na cadeia de abastecimento temporários. Mas a disrupção na cadeia de abastecimento é apenas um dos fatores das pressões inflacionistas. Existem outros que podem gerar um ambiente de inflação sustentada. Os bancos centrais não sabem como a situação irá evoluir. E se sabem, não o dizem, assumindo o seu papel de estabilizador financeiro. Nem os investidores; que têm adotado uma visão benigna do risco da inflação. Mas o cenário atual pode sofrer uma reviravolta e virar um pesadelo.O cenário de pesadelo é este: a inflação sobe severamente, continuando para além de 2022 e 2023. Os bancos centrais respondem com subidas agressivas das taxas de juro. Os preços dos ativos baixam (valores das ações, valores dos títulos, preços dos imóveis). A queda do preço dos ativos conduz ao colapso do consumo e a uma recessão substancial. A situação de endividamento do consumidor agrava-se e os preços dos ativos caem ainda mais, enquanto o custo do serviço da dívida aumenta devido às taxas de juro mais altas. A situação de endividamento dos governos também se deteriora com o colapso da receita tributária e o aumento do custo do serviço da dívida (num contexto de recorde do rácio entre dívida pública e PIB). Já vimos isto no passado. Isto é “Estagflação (ou “Stagflation”): crescimento lento e taxas de inflação altas. Os Governos respondem com medidas para estimular a economia, imprimindo mais dinheiro e acionando a “flexibilização monetária” (ou “quantitative easing”), uma política monetária pouco consensual: os bancos centrais estimulam a economia em tempos de crise ao comprar títulos públicos e privados para injetar capital na economia, baixar as taxas de juro de longo prazo e promover o empréstimo e investimento. Mas as medidas podem fazer ricochete, conduzindo a uma maior desvalorização da moeda e maior inflação. Um verdadeiro pesadelo com consequências políticas. Sabemos como correu na Alemanha dos anos 30. É impossível prever o resultado político deste cenário macro. Só podemos destacar que a disrupção seria significativa, pois os eleitores iriam procurar uma solução política para essa conjuntura. O cenário de pesadelo é o pior possível. Um outro cenário mais favorável é um período contínuo de inflação moderada, no qual os bancos centrais poderão aproveitá-lo para evitar a sua enorme dívida por meio da “repressão financeira”, uma política que lhes permite pedir empréstimos a taxas de juro muito baixas, obtendo recursos de baixo custo para as suas despesas. Conseguem-no através de taxas efetivas negativas (positivas em termos absolutos, mas negativas em termos reais).  Esta ação é, portanto, “repressiva” porque os aforradores obtêm retornos inferiores à taxa de inflação.Para os investidores, o contexto atual é arriscado. À medida que os bancos centrais “normalizam” as taxas de juro, pode verificar-se um grande volume de venda de títulos, fazendo com que o seu preço caia numa rápida sucessão. As perdas na carteira podem ser elevadas. O ponto de viragem pode dar-se pelo consenso, ao reconhecer que as taxas estão prestes a iniciar uma trajetória ascendente.Na semana passada, a Reserva Federal Americana afirmou que, em março, encerrará o programa de compra de títulos adotado durante a pandemia, abrindo caminho para três aumentos de 0,25% nas taxas de juros até finais de 2022 e evitar a subida de preços. Ao mesmo tempo, o Banco Central Europeu (BCE) anunciou a redução da compra de títulos em resposta ao aumento da inflação, mas comprometeu-se a continuar a comprar ativos durante, pelo menos, 10 meses e rejeitou o aumento das taxas de juro em 2022 (mas irá provavelmente aumentá-las em 2023). Esta decisão contrasta com a suspensão drástica dos apoios à crise da Reserva Federal e do Banco da Inglaterra.A medida para suspender a expansão do Programa de Compras de Emergência Pandémica do BCE era amplamente esperada pelos analistas, dado o recente aumento da inflação na zona euro. Christine Lagarde, Presidente do BCE, disse que a economia da zona euro recuperou o suficiente para permitir uma “redução progressiva no ritmo de compra de ativos”. Mas acrescentou que a “acomodação monetária” (o aumento das taxas de juro) ainda será necessária para a estabilização da inflação em 2%; a meta a alcançar. Perante a incerteza gerada pela variante Ómicron, Lagarde disse que o BCE quer evitar uma “transição brutal” para níveis mais baixos de compras.O BCE afirma que as suas decisões irão permitir flexibilidade na sua política monetária perante as atuais incertezas económicas. Parece que o BCE (tal como a Reserva Federal) irá manter as taxas de juro efetivas negativas, pelo menos, até 2022 e, possivelmente, 2023. Só o tempo dirá se isto é repressão financeira deliberada ou uma medida apropriada dadas as circunstâncias.Artigo originalmente publicado no Jornal de Negócios de 22.12.2021