A Porto Business School falou com portuenses que vivem [n]o Porto. Pessoas que respiram a essência da cidade. Para eles é importante saberem que o Porto continua a crescer e se tornou internacional. Isso pode trazer muitas vantagens. Mas afirmam ser essencial manter a identidade. A cultura. E usar este crescimento para apostar em outras áreas, como a educação, a ciência ou a saúde. A oferta é muita e há que a saber aproveitar.
Atualmente, quem passeia pelas ruas do Porto nota grandes diferenças face ao passado. Vê-se uma cidade mais limpa, com muito comércio de rua e uma oferta variada de todo o tipo de espaços. Uma cidade povoada de gente, local e turistas de várias nacionalidades e continentes. Um Porto que vive um crescimento exponencial na última década, com principal incidência nos últimos três anos. Uma cidade que ainda tem muito para oferecer – mantendo a sua essência -, que recuperou a cultura, renovou-se ao nível do urbanismo, tornou-se mais cosmopolita, mas que tem de se preparar para o futuro. Ideias bem claras e defendidas por três individualidades que conhecem a cidade a fundo: Miguel Guedes, Jorge Lopes e Rui Sá.
O património urbanístico e cultural
Quando se fala da Invicta Miguel Guedes, músico e jurista, confessa “gosto de ter no meu imaginário a Baixa do Porto mais desabitada, com mais espaço, porventura mais triste… Mas gosto de ter essa memória na minha memória. Não gostava que fosse assim ainda hoje. E este momento que se vive de mega hype Porto, que já não é só vinho do Porto e futebol – é mais do que isso – com uma oferta cultural interessante, com uma dimensão do património mais clara e uma oferta mais incisiva. Deixou de ser uma cidade com três ou quatro bandeiras para ser uma cidade bandeira”.
Sobre o momento que a cidade vive em termos turísticos [e tudo o que isso implica direta ou indiretamente], Miguel Guedes acha “que isso é positivo. É um momento que o Porto está a passar e deve ultrapassar com suavidade, porque isto é um fenómeno que precisa de continuar na sua dimensão, mas também contido com a inteligência que a cidade merece”.
E no que respeita à cultura, “que esteve ao abandono durante muitos anos”, defende que “é o momento de se ter uma visão integrada de toda esta rede muito alargada de valências culturais – temos Serralves, a Casa da Música, teatros municipais e nacionais, etc. – e de as potenciar, até porque temos uma localização geográfica extraordinária e multifacetada”.
E não tem dúvidas que “este é o grande desafio cultural do Porto nos próximos quatro anos, até para que todo este hype não se fique apenas pela manutenção do que existe”.
Já Jorge Lopes, editor executivo da Time Out, aponta para o facto que, e olhando para o antes deste momento que se vive, “até então aquilo que se via na cidade era um abandono evidente, com uma decadência imobiliária e urbanística de uma parte importante da cidade, sobretudo do centro. A maior parte dos espaços que estão a ser renovados eram praticamente quarteirões que estavam ao abandono por vezes há décadas”.
Sobre o investimento quase galopante que se tem verificado, Jorge Lopes acredita que isto de deve a uma confluência de vários fatores que fez com que as coisas explodissem no momento em que explodiram. Aliás, eu acho que foi um processo progressivo que acelerou muito mais nos últimos três anos”.
Quem partilha da mesma opinião é Rui Sá, engenheiro e antigo vereador na Câmara Municipal do Porto, para quem este fenómeno “é o somatório de um conjunto de fatores, porque estes booms turísticos não são coisas imediatas e espontâneas. Tiveste o Porto Capital Europeia da Cultura 2001 ou o Euro 2004. Depois, em termos económicos, as low cost que tiveram o seu papel e importância. E a promoção e divulgação da cidade, onde o vinho do Porto é um exemplo. Há um conjunto grande de fatores que possibilitaram que o Porto se tornasse mais conhecido e atrativo turisticamente”.
Relativamente à possibilidade de a Baixa se tornar numa espécie de centro comercial e local de dormidas, Rui Sá alerta que “esse pode ser o reverso da medalha. Ou seja, não tenhamos dúvidas que o turismo deu um contributo muito grande para a animação da cidade, para o seu desenvolvimento económico e cultural, mas também há aqui algumas consequências [como é evidente] deste afluxo tão grande e as maiores são a transformação do edificado, sendo positivo a reabilitação do que estava degradado, mas já negativo tendo em conta que grande parte deixe de ser para moradores. Esse será o aspeto mais negativo. Os prédios públicos existentes deveriam ser para os moradores do centro ou para aqueles que quisessem vir viver para o centro. Não para serem transformados em alojamentos turísticos”.
A tradição gastronómica
O Porto é, reconhecidamente, uma cidade com uma cultura e tradições gastronómicas muito peculiares. Tem as tripas, a feijoada ou as famosas francesinhas, por exemplo. E uma grande variedade de petiscos. No entanto, há quem receie que isto se possa perder um pouco em detrimento de um estilo mais gourmet. Quando questionado sobre se sente isso, Jorge Lopes é taxativo: “Sinceramente não. Eu acho que continua a existir o que já existia. Tem-se vindo a acrescentar recriações e atualizações do tradicional, mas acho que a base gastronómica se mantém.
Acho é que as pessoas passaram a prestar mais atenção a isso do que prestavam há dez ou vinte anos atrás. Com todas as mutações que têm acontecido na cidade na última década, as pessoas ficaram mais sensíveis para esse tema. E pode ter sido pelos preços, também, que foram inflacionados a exemplo do que se passa no ramo imobiliário no centro da cidade. Os preços dispararam.
Não sinto até agora qualquer tipo de descaraterização, antes pelo contrário. O Porto em termos gastronómicos até continua a ser um pouco fechado para o resto do mundo. Os portuenses são um pouco conservadores e as coisas novas que vão aparecendo tem sido a conta gotas. Eu gostava de ver mais restaurantes africanos ou sul americanos qua ainda há muito poucos”.
Um futuro bem gerido
“O Porto hoje está nas bocas do mundo, mas amanhã podem estar outras cidades porque as pessoas vão variando, seguindo tendências e esse é que é o drama. Se isso acontecer, e por uma razão qualquer, surgir outro destino mais atrativo o Porto pode passar por uma depressão”, refere Rui Sá quando questionado sobre o que futuro pode reservar à cidade.
Para precaver uma inversão do crescimento, Rui Sá defende que “o papel da autarquia é importante. Não deve permitir o exagero e deve saber gerir muito bem todos os processos, sempre a pensar no amanhã e não apenas no hoje. O importante é todos os agentes económicos, sejam privados ou públicos, saberem aproveitar este potencial que existe e definirem em conjunto estratégias de futuro”.
Jorge Lopes segue a mesma linha de pensamento: “ninguém sabe ao certo o momento, mas vai haver uma altura em que vai ter que se por um travão em algum tipo de alterações que têm sido feitas na cidade. Mas não estou especialmente pessimista. Acho que a cidade entrou numa nova fase da sua vida. Que entrou num novo capítulo e todos temos que aprender a saber viver com ela e como a gerir da melhor forma. Em relação a isso sou otimista”.
Miguel Guedes partilha deste otimismo e tem “muita confiança que isto é para continuar. Não é fácil acabar com esta dinâmica e esvaziar este processo de crescimento, de conhecimento e de beleza. Não podemos, no entanto, perder a nossa identidade e termos a noção que o nosso crescimento não pode rebentar porque seria tornar atípica uma cidade que tem uma personalidade única. Isso seria matar o coração da cidade. O Porto não vai permitir isso. Ninguém está interessado nisso”.